terça-feira, 4 de agosto de 2015

Bernardo Strassburg: O combate ao desmatamento precisa se focar no Cerrado

Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff anunciou novas políticas ambientais em sua viagem aos Estados Unidos. O anúncio decepcionou a comunidade ambientalista, já que ela prometeu apenas desmatamento ilegal zero. Por outro lado, ela também anunciou uma meta ousada no setor do reflorestamento: restaurar 12 milhões de hectares, o equivalente a dez anos de desmatamento da Amazônia, até 2030. 

Bernardo Strassburg, diretor do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) e autor do estudo que serviu de subsídio para o plano apresentado pela presidente, diz que essa meta de reflorestamento é uma das mais ambiciosas do mundo. Segundo ele, ela é equivalente à expansão da soja, a maior cultura agrícola do país. Strassburg conversou com ÉPOCA sobre as propostas de reflorestamento, e fez um alerta: é hora de os ambientalistas começarem a pressionar pela proteção do Cerrado, bioma onde, atualmente, se desmata mais do que na Amazônia.

ÉPOCA - O senhor participou do estudo que foi usado pelo governo para traçar a meta de 12 milhões de hectares de reflorestamento. O senhor pode explicar essa proposta?

Bernardo Strassburg - É um plano que está em consulta pública desde dezembro, eu sou um dos autores. Inicialmente era um plano de reflorestamento, depois mudou de nome e passou a ser um plano de recuperação da vegetação nativa. Essa distinção é importante para mostrar que o plano propõe recuperar a vegetação original. Plantar eucalipto, por exemplo, não atende a meta. A gente calculou que a meta seria reflorestar 12,5 milhões de hectares até 2035. O que a presidente fez foi anunciar a meta desse plano como a meta do Brasil, com uma pequena mudança - agora são 12 milhões de hectares até 2030. É uma meta ambiciosa, uma das mais ambiciosas do mundo na área, e coloca o Brasil na liderança mundial de reflorestamento e restauração.

ÉPOCA - A meta é mesmo ambiciosa? Alguns ambientalistas consideraram o anúncio fraco.

Strassburg - Claro, o anúncio ficou aquém das expectativas já que não tem uma data para o desmatamento zero. Mas em restauração florestal, é muito ambiciosa sim. Nós estamos falando de um aumento da área da vegetação nativa nos próximos 15 anos do mesmo tamanho da expansão da soja. A soja tem o maior crescimento de qualquer cultura agrícola do Brasil. A restauração florestal estará no mesmo patamar. Em segundo lugar vem a cana, que é metade disso, 6 milhões de hectares.

Esse plano criará um novo setor na economia, que estamos chamando de economia da restauração. É uma atividade intensiva em mão-de-obra. Precisa de trabalhadores para coletar sementes, plantar árvores, o que pode gerar bastante emprego e renda no campo para pessoas com condições mais desfavoráveis. Essas atividades demandam insumos agrícolas, mudas, sementes, fertilizantes, etc, e isso gera impacto sobre a economia, aumenta PIB. Há estudos no BNDES para criar linhas de financiamento para restauração. Ou seja, movimentará todo um setor da economia, em todo o país.

ÉPOCA - O plano prevê então reflorestamento não só para a Amazônia, mas para todo o país?

Strassburg - Será no país inteiro, nos seis biomas. Acredito que algo em torno de 85% do reflorestamento se concentre na Mata Atlântica e na Amazônia. Espera-se que mais na Mata Atlântica. Na Amazônia, o foco tem que ser em evitar o desmatamento. Na Mata Atlântica, só restam 12% das florestas do bioma, então a restauração é mais importante para manter os serviços ambientais. É onde vivem mais de dois terços da população brasileira, então isso pode gerar benefícios gigantescos, como segurança hídrica, energética, evitar desastres como os que aconteceram na região serrana do Rio. O plano é nacional, mas o impacto será muito positivo na Mata Atlântica.

ÉPOCA - Mesmo sem a proposta de desmatamento zero, é possível que com esse plano de reflorestamento o país plante mais árvores do que desmata?

Strassburg - Certamente o plano seria mais eficiente se em paralelo fosse feito o desmatamento zero. Mas eu entendo que há dificuldades em se zerar o desmatamento porque o Brasil tem uma lei que permite desmatar. Pelo código florestal, se você está na Amazônia, pode desmatar 20% da sua propriedade legalmente. Ter um anúncio de desmatamento absoluto zero quando a lei permite desmatar seria inconsistente. O que poderia ser feito era anunciar um desmatamento líquido zero, compensando o que for derrubado com reflorestamento. Nos últimos anos, perdemos mais ou menos meio milhão de hectares por ano. Se esse número não mudar, seriam 7,5 milhões desmatados em 15 anos, e nesse prazo estaremos reflorestando 12 milhões. Temos plenas condições de ter um reflorestamento líquido na Amazônia, restaurando mais do que o que está sendo derrubado. O problema é no Cerrado.

ÉPOCA - Por que no Cerrado?

Strassburg - Tudo vai depender do que vai acontecer no Cerrado. A trajetória do Cerrado é oposta da Amazônia, o desmatamento está subindo nos últimos anos. É um bioma muito menos protegido pela lei, é a fronteira do agronegócio, a infraestrtura é mais desenvolvida do que na Amazônia, o preço da terra é atrativo para a cultura agrícola. Então a preocupação sobre desmatamento precisa estar focada no Cerrado.

ÉPOCA - Mas se o reflorestamento se concentrará na Mata Atlântica, o que pode ser feito pelo Cerrado?

Strassburg - É fundamental retomar a política de demarcação de unidades de conservação. Pelo código florestal, o Cerrado está desprotegido. É preciso identificar as áreas altamente prioritárias, áreas com grande concentração de espécies, importantes para recursos hídricos, e  demarcar essas áreas como unidades de conservação, uma coisa que não tem acontecido nos últimos anos. Em paralelo, é importante que a sociedade civil aumente a pressão. Há um foco excessivo na Amazônia, mas é no Cerrado onde a comunidade ambientalista deveria se concentrar nos próximos anos. Campanhas na Amazônia, como a que levou à moratória da soja, poderiam ser aplicadas ao Cerrado. Seria importante esse tipo de atenção. Não deixar tudo nos ombros do governo, porque o governo responde às pressões da sociedade. Hoje essa pressão é talvez mais necessária no Cerrado do que na Amazônia.

ÉPOCA - Um dos argumentos contrários ao reflorestamento é que pode haver conflito entre áreas para reflorestar e áreas para o cultivo agrícola. Isso foi analisado?

Strassburg - Nós fizemos um estudo que examinou exatamente isso. A conclusão inequívoca é que o Brasil tem total condição de atingir todas as metas que o Ministério da Agricultura coloca para expansão de agricultura e ainda sobre espaço para restaurar até 36 milhões de hectares, três vezes mais do que a meta apresentada pelo governo, sem derrubar uma única árvore. Não falta espaço, esse argumento não é suportado pelos fatos. Para isso, é preciso usar melhor as áreas já abertas, especialmente na pecuária, que tem produtividade muito baixa comparada com o padrão internacional.

Blog Época

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