terça-feira, 31 de agosto de 2010

Água virtual: como fazer essa conta


É cada vez mais comum se deparar com informações sobre a quantidade de água que se gasta para produzir bens de consumo. O que pouca gente sabe é como esse cálculo é feito e quanto o resultado pode variar de um país para outro ou mesmo entre fabricantes em locais próximos


Segundo a organização internacional Water Footprint*, a pegada de água de um produto ou serviço é a soma dos volumes de água doce consumidos e/ou poluídos ao longo de sua cadeia de produção. Entram nesse cálculo a utilização das águas de chuva, das águas superficiais e subterrâneas e mais a quantidade necessária para diluir os poluentes lançados nos cursos d’água, de modo que seus padrões de qualidade sejam mantidos.


O órgão também esclarece que a diferença entre o conceito de água virtual e de pegada de água é que, no segundo caso, além de se considerar o volume de água consumido, leva-se em conta o local de produção dos bens, a fonte da água e em que ponto da cadeia ela é utilizada. Essas informações são importantes para medir de forma mais precisa o impacto de cada produto sobre os recursos hídricos do planeta.


Quando nos deparamos com informações do tipo:


- para se produzir um quilo de arroz, gastam-se 3 mil litros de água;


- um quilo de carne de boi, 15.500 litros de água;


- um litro de leite, mil litros de água e - uma xícara de café, 140 litros de água, estamos diante da média global de consumo de água na cadeia produtiva dessas mercadorias. Mas esses dados podem variar muito de um país para outro e mesmo entre produtores de locais não muito distantes, que utilizem tecnologias diferentes. A própria Water Footprint tem mapas que mostram a enorme variação da pegada de água em função do local onde um produto é fabricado.


Antônio Felix Domingues, coordenador de comunicação e articulação da ANA – Agência Nacional das Águas, diz que, em certos países como o Brasil, nem sempre é fácil obter as informações das empresas sobre o uso da água nas cadeias de seus produtos e a média de consumo, às vezes, diz pouco na prática. “Os fabricantes estão em diferentes estágios tecnológicos, têm portes variados e muitas não gostam de entregar seus dados porque temem a concorrência ou sonegam impostos”. Para ele, os dados mais fiéis são os relacionados à irrigação, facilmente identificáveis por satélite.


Felix ainda lembra que os processos produtivos variam muito de um país para o outro. “O pasto para o boi, no Brasil, geralmente não é irrigado, ao contrário do criado no exterior. Nós conseguimos duas safras de milho sem irrigação, enquanto a França só produz uma e irrigada”. Ainda assim, ele reconhece a validade do conceito: “A pegada de água nos desperta a consciência de que tudo o que produzimos e adquirimos consome água e podemos usá-la de maneira mais responsável”.


COMO FAZER A CONTA


Ainda que se refiram apenas à média de consumo de água, os números elevados e tão diferentes entre um produto e outro chamam a atenção de leigos e despertam a curiosidade sobre como é feito o cálculo da pegada de água.


A Water Footprint tem um extenso manual que explica, por meio de fórmulas matemáticas complexas, o percurso da equipe de pesquisadores até chegarem aos valores finais. De maneira resumida e simplificada, a conta é feita assim:


PEGADA DE ÁGUA DE UM ANIMAL: Somatória da água utilizada em sua alimentação, mais a água que ele bebe e a que é utilizada em serviços de higiene e cuidados. A pegada de água de um quilo de bife de boi (15.500 litros) considera que, normalmente, o animal é abatido com três anos de vida e gera, aproximadamente, 200 kg de carne sem osso. Ao longo da vida, o boi consome em torno de 1.300kg de grãos (entre trigo, aveia, cevada, milho, ervilha seca, farelo de soja e outros), 7.200 kg de pastagem, feno e silo, bebe 24 m³ de água e gasta outros 7 para sua manutenção. Essa soma é dividida pelos 200 kg de carne produzidas pelo boi.


O que significa que para cada quilo de carne, o animal consome 6,5 kg de grãos e 36 kg de pastagem e afins. Para produzir esses alimentos, são utilizados 15.300 litros de água. Somados aos 155 litros de água que o boi bebe e consome em sua manutenção por quilo de carne produzido, chega-se à pegada de água do quilo de bife.


PEGADA DE ÁGUA DE UMA PLANTAÇÃO: Uso de água (m³/hectare) dividido pela produtividade (toneladas/hectare). A quantidade de água requerida por uma plantação pode ser estimada com base em dados climáticos, como temperatura do local e velocidade dos ventos, na quantidade de chuvas, na irrigação necessária, nas características do vegetal e no volume de água necessário para diluir os poluentes utilizados na plantação, para que os cursos d’água próximos se mantenham com a mesma qualidade exigida pela legislação local.


No cálculo da pegada de água da cevada, por exemplo, dividem-se os 190 bilhões de metros cúbico de água consumidos anualmente pela produção de mais de 146 mil toneladas de cevada e chega-se ao valor de 1.300 litros de água por quilo.


PEGADA DE UM PRODUTO DERIVADO DA PECUÁRIA OU DAS PLANTAÇÕES: A pegada de água do produto de origem (a colheita ou o animal) é dividida entre seus produtos derivados. Por exemplo, a pegada do arroz integral (produto processado) é igual à pegada do arroz em casca (produto de origem) dividida pela quantidade de arroz integral que se consegue obter por tonelada de arroz em casca processado.


No caso da soja que se transforma tanto em óleo quanto em farinha, é importante saber qual a quantidade de soja é destinada para cada um dos dois produtos para que a pegada de água seja dividida de forma proporcional entre eles. Com esse critério, a maior parte da pegada de água de um hambúrguer (2.400 litros) se refere à água proveniente da alimentação do boi (15.300 litros por quilo, ou 2.295 litros para a média de 150g de um hambúrguer). Assim como a pegada de água de 75 litros por 250 ml cerveja se deve, principalmente, à produção da cevada.


A pegada de uma camiseta de algodão(2.700 litros), de aproximadamente 250 gramas, também vem, principalmente, da plantação de algodão: 45% está na irrigação, 41% na absorção de água da chuva o crescimento da plantação e apenas 14% na diluição dos resíduos de fertilizantes utilizados na safra e dos produtos químicos da indústria têxtil.


CONSUMO CONSCIENTE


A partir da informação sobre a pegada de água de cada produto, é possível fazer escolhas de consumo com mais consciência. Tomar café ou chá, por exemplo, gera impactos bem diferentes: enquanto são necessários 140 litros de água para produzir um xícara de café de 125 ml, uma xícara de chá com 250 ml demanda apenas 30 litros.


Exigir que os fabricantes informem a origem dos produtos que estão na prateleira do supermercado também pode nos ajudar a optar por aqueles que estejam abaixo de sua média global de pegada de água ou, pelo menos, que sejam produzidos em locais onde não há escassez de água.


Segundo o coordenador de comunicação e articulação da ANA, Antônio Felix Domingues, ainda não é praxe no Brasil medir a pegada de água dos produtos. Ele prefere apostar na cobrança de empresas pelo uso da água e na exigência de certos níveis tecnológicos no processo produtivo como medida de economia do recurso na cadeia dos bens produzidos. “Ainda desperdiçamos demais, mas é possível aumentar a produção gastando menos água”.


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